terça-feira, 6 de abril de 2010

CIOs dão dicas de como fazer a gestão de mudança

por Ana Lúcia Moura Fé | especial para InformationWeek Brasil
05/04/2010

O clima é de adrenalina na área de TI do Carrefour. Está a pleno vapor o roll out do ERP comercial, com término previsto para abril de 2010. Os desafios são enormes. Para começar, envolve os processos de operação, logística e comercial, que representam o core business de toda empresa de varejo. Além disso, trata-se de ERP multiformato, uma vez que cobre todos os diferentes negócios do grupo, cada um com a sua lógica e os seus processos, desde a venda de alimentos perecíveis e lojas de conveniência até postos de gasolina e produtos eletrônicos. "É o primeiro ERP multiformato no Brasil", explica o diretor de TI da empresa, Ney Santos.

Não haver casos similares representa uma dificuldade a mais no esforço técnico empreendido no Carrefour. Mas essa não é a maior preocupação do CIO. Ele fixou em sua mente a tese defendida por especialistas - e amplamente confirmada em sua vida profissional - segundo a qual são as pessoas, e não a tecnologia, os maiores responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de um empreendimento de TI. "Focar nas pessoas é o que há de mais crucial e intenso neste momento."

Santos refere-se principalmente aos cerca de 7,5 mil usuários do sistema. Todo este contingente é objeto de um amplo leque de ações de change management, uma disciplina que vem conquistando mais espaço na pauta dos CIOs, levando-os a se inteirar mais sobre o assunto e a refletir sobre o seu papel nas iniciativas que tratam do impacto das mudanças. "Antes de iniciar ou mesmo se decidir sobre um projeto, é preciso convencer, conquistar e engajar os públicos envolvidos, levá-los a ‘comprar" a ideia, porque sãos eles que fazem as transformações acontecerem. É o que estamos fazendo, em processo colaborativo com diversas áreas na empresa", diz Santos.

De acordo com o executivo, ninguém mais duvida que a maior parcela de insucessos de investimentos em TI decorre da resistência das pessoas às mudanças ou falhas no seu engajamento. Mesmo assim, Santos acredita que o foco na tecnologia, em detrimento das pessoas, ainda prevalece em muitas empresas.

A boa notícia é que erros históricos colocaram o tema definitivamente no radar dos CIOs. De acordo com Elizabeth Borges, gerente e especialista em change management da consultoria CSC, interesse das empresas e o escopo deste tipo de gestão cresceram muito nos últimos três anos. O que era adotado apenas em mudanças drásticas de sistema, hoje, é entendido como componente de qualquer projeto, mesmo os menores. "A entrega de uma mudança tecnológica já vem acompanhada do tratamento do impacto da mesma sobre o negócio e os usuários."

A visão mais matricial e colaborativa atingida pelas empresas tem facilitado a implementação de ações de gerenciamento de mudança. Dependendo da complexidade e da abrangência da transformação, mais ou menos áreas são chamadas a contribuir com o seu conhecimento específico e com recursos humanos, tendo à frente, em geral, o patrocinador do projeto (sponsor). É assim no Carrefour. Além das áreas de RH e de comunicação, o roll out do ERP comercial conta com uma equipe de cinco profissionais dedicada tempo integral à gestão da mudança. "Se o objeto de mudança for um sistema de e-mail, por exemplo, é natural que o sponsor seja o diretor de TI. Mas quem lidera um projeto de ERP e seu gerenciamento de mudanças é o diretor-executivo comercial e logístico", diz Santos.

Independentemente de quem esteja na liderança da transformação, ter a visão do negócio como um todo e ser capaz de enxergar o fator "gente" é crucial, assim como o software, o hardware e os demais aspectos. A dica do CIO é definir e divulgar claramente e com antecedência riscos, benefícios, impactos e o tamanho do esforço que a mudança irá requerer. "Isso resulta em transparência, o que leva as pessoas a ‘comprarem" a ideia mais facilmente, além de evitar um erro muito comum que é o subdimensionamento do esforço, ou seja, a transformação corre risco de não acontecer, porque o projeto não conta com pessoas suficientes para implementá-la."

Ele tem feito bom uso de todos os erros e acertos acumulados até agora. "Na operação de e-commerce que estamos fazendo, contamos desde a largada com uma comunicação executiva muito mais robusta do que a que foi empregada neste ERP. Como consequência, o executivo-chefe da organização está muito mais engajado. É um aprendizado natural e contínuo", diz.

Suporte global

Na Roche, a exemplo do que ocorre no Carrefour, a premissa é de que nenhum projeto, independentemente do tamanho, prescinde de gerenciamento de mudanças. "Não há sucesso sem isto", acredita Vera Marques, diretora-regional de informática para América Latina. Não há estrutura fixa de gestão de mudança: as estratégias são montadas de projeto a projeto, de acordo com a abrangência. "Quando se trata de transformação em todas as operações ao redor do mundo, entra em cena um suporte global que inclui área específica de comunicação voltada para informática. É ela que orquestra toda a comunicação necessária."

A executiva ressalta a importância do apoio de departamentos como o RH, que atua como "adviser" em questões relacionadas com pessoal. "Em projetos que preveem desligamentos ou transferências de funcionários entre países, por exemplo, é do RH que vem todo o suporte para questões legais de cada país e riscos relacionados a esses movimentos, diz a executiva, citando como exemplo o IT Transformation, um dos mais recentes projetos que exigiu grande esforço de change management.

O IT Transformation consistiu na reorganização global da TI da Roche, que é composta de uma área conhecida como "frente para o negócio" e outra relacionada com a entrega que cobre as verticais com departamentos de operação e centros de soluções (estes divididos por tema, como CRM, BI e marketing, e espalhados por diversos continentes). O projeto também padronizou a estrutura de front end, agora formada por uma pessoa responsável pelo site do país e um gerente de informática, além de suporte local.

Com a reorganização, o Brasil se tornou centro estratégico para a Roche mundial, dispondo de solution centers e de áreas de operação e de suporte para ERP, reports e CRM. A estrutura foi montada para atender a toda América Latina, com tendência de atendimento global. "Isto levou à transferência para cá de muitos profissionais de outros países", diz Vera. Entre 25 e 30 pessoas se mudaram para o Brasil, exigindo cuidados redobrados em termos de gerenciamento de mudança. "Nessas ocasiões, pesa muito a transparência, a não omissão de informações e todo o suporte possível dos advisers", diz a diretora.

Pesa também a estratégia de comunicação, uma das tarefas mais difíceis, na avaliação da diretora. "Fizemos um trabalho enorme de comunicação junto às pessoas, muito antes da transferência de suas posições para o Brasil", relata. Depois disto, foram feitas pesquisas periódicas para captar e entender percepções e dificuldades enfrentadas pela equipe de TI. "Trata-se de um pulse check, um monitoramento de clima e de adaptação."

A diretora da Roche avalia como totalmente positivos os resultados desta transformação, apesar do grande desafio humano, burocrático e financeiro que representa "importar" pessoas de outros países e integrá-las. "O Brasil não está preparado para receber estrangeiros. É um processo supercomplicado. Mas valeu a pena. Pessoas que trabalhavam separadas, hoje, veem benefício de trabalharem juntas."

Time dedicado

Na empresa de contact center TMKT, o conceito de change management ganhou relevância nos últimos cinco anos, período em que a expansão planejada do negócio exigiu muitos investimentos em tecnologia. "Crescemos três vezes neste prazo, o que aumentou a necessidade de gerenciamento efetivo das constantes mudanças", justifica o diretor de tecnologia, Carlos César Camargo. O primeiro passo foi a criação, há cerca de três anos, de uma área específica para a função. "Temos hoje um gerente de planejamento e processo de implantação e mudança e um time de seis profissionais dedicados ao tema." Dependendo do projeto, a equipe é reforçada com mais pessoas de TI (a área conta com 120 profissionais) e de outras unidades.

Foi o que ocorreu na unificação de redes da empresa, quando todos os analistas de suporte de rede foram envolvidos no plano de gerenciamento de mudanças, além do gestor de mudança e sua equipe. O projeto consistiu juntar os quatro sites interligados em um único domínio, um processo que levou 90 dias para ser concluído. "O objetivo maior foi reduzir riscos por meio da informação, do suporte e do engajamento dos cerca de 8 mil usuários, mostrando a importância e os benefícios do projeto e, desta forma, garantindo o seu apoio à TI no caso de problemas eventuais", conta Camargo. Facilitou muito o baixo nível de resistência dos usuários. "Mudar um domínio de rede é irrelevante para o usuário, então, a resistência não era o maior problema, e sim o risco de as pessoas não enxergarem mais o que viam na rede."

Nessa empreitada, a diretoria de TI trabalhou em conjunto com diversas unidades, em especial com a área de normas e procedimentos, que cuidou da divulgação e do engajamento de toda a empresa na iniciativa. A gerente de normas e processos da TMKT, Roane Laranja, diz que as principais ações de comunicação incluíram reuniões com gestores e e-mails direcionados a todos os usuários informando sobre a mudança, além da divulgação na intranet do cronograma estabelecido pela área de TI. Mas a principal estratégia para garantir engajamento máximo e impacto mínimo foi a realização da migração individual. "Agendamos com cada colaborador a visita de um analista de TI, que treinou e esclareceu dúvidas pontualmente. Com isso, garantimos que todos estivessem informados, capacitados e envolvidos no processo de mudança."

É uma posição compartilhada com a gerente de relações humanas da TMKT, Cida Carvalho. A executiva acredita que o principal papel de sua área é dar apoio aos profissionais para receber estas mudanças e conscientizá-los sobre os benefícios que a nova tecnologia ou processo irá trazer. "Ao mesmo tempo devemos mostrar o impacto na rotina profissional, o que será exigido dele (novas competências) em relação à utilização correta da ferramenta ou processo."

A criação de uma gerência ou coordenação específica para planejar e acompanhar a execução de mudanças em TI é a principal dica oferecida por Camargo aos CIOs. A TMKT possui em sua estrutura profissionais de diferentes áreas que se inter-relacionam sempre que há implementações. Ele também sugere que os gestores não se prendam a metodologias pragmáticas, mas que mesclem e adaptem diferentes métodos e ferramentas de controle de mudanças para obter um modelo talhado para cada negócio e cada projeto.

Para o CEO da Gauss Consulting, Orlando Pavani Junior, o CIO deve ter sempre em mente que tecnologia não promove as transformações em uma empresa, apenas as consolida. "É comum CIOs decidirem pela compra equivocada de ERP, por exemplo, sem o prévio mapeamento e organização dos processos, acreditando que o software em si é um meio de mudança, o que nem sempre funciona", aponta o especialista. "Antes de comprar o sistema, a empresa também deveria investir em change management, sob pena de amargar prejuízo financeiro e, no fim das contas, ainda concluir que o software não atendeu às suas necessidades", diz.

A visão de muitos especialistas é que engajar os usuários no processo antes mesmo da decisão pelo investimento permite ajustes que aumentariam a probabilidade de acerto. Eles alertam para erros de nível estratégico anteriores ao processo de mudança, como a decisão por uma inovação para qual a base operacional da empresa não está preparada. "A existência de um descompasso muito grande entre a transformação requerida e a maturidade da base vai tornar a gestão da mudança muito mais complexa e desafiante do que o habitual, pondo em risco sua eficácia", pontua Elizabeth, da CSC.

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